domingo, 7 de junho de 2009

20 anos sem Nara


De: Blog Rafael Cortez - Uol Blog


Hoje, domingo, dia 07 de junho, completam-se 20 anos de morte de Nara Leão – a grande cantora capixaba, de voz frágil, timidez característica, carisma longe de uma Elis Regina, mas trajetória e convicção artística na linha de um Chico Buarque de Hollanda.

Quem abrir o jornal hoje, dentro de algumas horas relativas à minha postagem desse texto, pode ou não me dar boas novas mais tarde: quero ler de vcs que vários periódicos deram destaque a essa data; que muitas – e belas – homenagens foram prestadas; que encartes generosos em suplementos dominicais, repletos de fotos, depoimentos e reverências, foram disponibilizados...

Mas tenho medo de ser verdade essa máxima que me diz, aqui dentro do meu peito, que a ocasião passará despercebida. Afinal, os assuntos da semana são mais quentes. As abordagens emotivas e escandalosas de mídia não contemplam a homenagem a quem fez história nesse país. Aliás, a história desse país se caracteriza por sofrer de amnésia crônica. Vivemos numa terra sem memória.

Num momento em que lamentamos a morte de tantas pessoas na queda trágica dessa aeronave da Air France, leio em muitos lugares uma mesma triste constatação: no mundo, centenas de vidas são encerradas sem que planos pessoais tenham sido finalizados. Pessoas morrem sem contar antes suas trajetórias. Vidas inteiras acabam de uma hora para outra, sem deixar rastro.

Dado todo o respeito pelas vítimas do vôo e suas famílias, e ainda atordoado com essa grande e brutal fatalidade, volto a pensar em Nara Leão. Ela pôde contar sua história e fazer o país todo acreditar em algo. Viveu intensamente de acordo com o que achava crível. Militou como artista e não deu o mesmo de si para os mesmos de sempre. Produziu, comunicou, apresentou e amou demais em vida. E, ao contrário das vítimas do avião, teve tempo de administrar sua hora de partida e se despedir. Em sua rota de adeus, intensificou a beleza de suas gravações e fez as pazes com o próprio passado. Retomou o intimismo de suas primeiras apresentações e gravações. Por fim, sabendo que já tinha feito sua parte como formadora de opinião, artista, brasileira, mãe e mulher, foi-se embora para outro plano espiritual.

Num momento em que se fala tanto da morte, nem é sobre a morte de Nara Leão que quero ler ou ouvir falar. Sim, completam-se hoje duas décadas exatas de seu falecimento. Mas Nara morreu deixando tanta coisa boa viva! Assim como essas pessoas que partiram com esse avião... e que deixaram seus legados para quem as amou, independente da gente saber ou não algo sobre elas.

Nara morreu, mas o que ela fez está vivo. Mas quem gosta de falar das coisas vivas como exemplo e consolo no momento da morte? Soa demagogo e não vende jornal. Ainda existe uma curiosidade mórbida por parte de todos nós em receber detalhes do fim... daquilo que a gente menos conhece, mas que é o mais certo para todos.

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Nara, hoje eu vou fazer como sempre faço a cada dia 07 de junho. Vou ouvir as suas músicas, com um pouco mais de silêncio e respeito. Quero ouvir “João e Maria”, que vc gravou com o Chico... e “Flash Back”, com o Menescal . “Laranja da China” e “Amor nas Estrelas” devem me fazer cantar junto. Desculpe, eu queria deixar vc brilhar sozinha nessas duas, mas vc sempre me convida para participar do refrão. Devo escutar “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas”, do seu primeiro LP, para saborear “My Foolish Hearth”, de seu trabalho derradeiro em seguida. Quero, por fim, prestar atenção em “Maria Joana”, que é a sua música de que mais gosto. Talvez nessa hora eu chore, Nara. É por saber demais que eu só posso ouvir vc cantando dentro de mim. É por saber que eu não poderei te ver no teatro ou te convidar para jantar um dia. É por ter tanta saudade de quem eu nunca vi ao vivo, mas sei que faz parte do que eu sou.

Depois de tudo isso, Nara, vou me arrumar e sair para gravar o CQC. E vou orgulhoso pensando em vc. Vc ainda é a minha maior motivação e exemplo quando penso em construir minha própria história. Vc me ensinou que um artista é uma soma de emoções e atitudes voltadas ao pensamento e à construção de um ideal. Vc me ensinou, acima de tudo, que há uma beleza maior no mundo – e eu sinto isso nos seus discos. Obrigado!

Um beijo cheio de amor nesses 20 anos de saudades

Rafa

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depois de muito tempo.....